Benefício oneroso ICMS: benefícios fiscais sem contrapartida geram direito ao Fundo de Compensação?

Uma das maiores incertezas entre indústrias, distribuidores e operadores logísticos que possuem incentivos de ICMS é saber se seus benefícios serão compensados entre 2029 e 2032 pelo fundo previsto no art. 12 da EC 132/2023. Esse mecanismo, detalhado pela Lei Complementar nº 214/2025, está diretamente ligado ao conceito de benefício oneroso ICMS.

A dúvida mais comum é a seguinte: se a empresa tinha benefício fiscal antes de 31/05/2023, mas não tinha contrapartida relevante, como apenas locação de galpão e operações de cross-docking, esse benefício será considerado “oneroso” e terá direito ao Fundo de Compensação?

A resposta depende de um ponto central da lei: benefício só entra no fundo se for classificado como oneroso. E benefício oneroso precisa ter contrapartida com ônus real, e não apenas existir no papel.

1. Base legal: quem tem direito à compensação?

O ponto de partida está no Art. 384 da Lei Complementar nº 214/2025. O caput afirma que a compensação se aplica a titulares de benefícios onerosos relativos ao ICMS.

“As pessoas físicas ou jurídicas titulares de benefícios onerosos relativos ao ICMS […] serão compensadas […]”

O parágrafo único acrescenta condições como:

  • benefício concedido até 31/05/2023;
  • registro adequado, quando exigido, nos termos da LC 160/2017;
  • cumprimento tempestivo das condições previstas no ato concessivo.

Até esse ponto, muitas empresas que possuem incentivos antigos poderiam, em tese, ter direito à compensação. Mas ainda falta um requisito fundamental: o benefício precisa ser reconhecido como benefício oneroso ICMS nos termos do Art. 385.

2. O ponto decisivo: o que é benefício oneroso ICMS?

A definição está no Art. 385 da Lei Complementar nº 214/2025, que conecta o conceito à ideia de prazo certo e condição.

“Benefícios onerosos: as repercussões econômicas oriundas de isenções, incentivos e benefícios fiscais […] concedidos por prazo certo e sob condição, na forma do art. 178 do CTN.”

O inciso IV aprofunda a noção de condição, ao descrever contrapartidas de que resulte ônus ou restrições à atividade, como:

  • implementação ou expansão de empreendimento;
  • geração de empregos;
  • limitação de preços ou restrição de fornecedores.

Em termos práticos, só há benefício oneroso ICMS quando a empresa assume obrigações reais, com impacto financeiro ou operacional mensurável. Não basta ter o incentivo. É preciso que ele esteja vinculado a contrapartidas estruturadas.

3. O que não é contrapartida: situações excluídas pela lei

O §1º do Art. 385 faz o movimento inverso. Ele lista os casos que não caracterizam benefício oneroso, mesmo quando existe um incentivo fiscal em vigor.

De forma resumida, não são consideradas contrapartida:

  • obrigações já exigidas pela legislação em geral, como recolher tributos e cumprir normas trabalhistas;
  • simples declarações de intenções sem ônus econômico concreto;
  • exigência de contribuição a fundo estadual associada apenas à fruição do próprio benefício, sem finalidade pública mais ampla, salvo a exceção do §2º.

Com isso, uma grande quantidade de incentivos concedidos apenas para atrair operações básicas, sem exigência de investimento, emprego ou infraestrutura, tende a ficar fora do escopo de benefício oneroso ICMS.

4. Aplicando ao caso prático: empresa com galpão e cross-docking

Considere o cenário frequente em operações logísticas:

  • a empresa já tinha benefício fiscal antes de 31/05/2023;
  • o Estado concedeu redução de base, crédito presumido ou outro incentivo;
  • a contrapartida se limitou ao aluguel de um galpão;
  • a atividade principal era cross-docking ou movimentação simples de mercadorias;
  • não houve exigência expressa de investimento estrutural, expansão industrial ou geração relevante de empregos.

A pergunta central é: esse incentivo pode ser tratado como benefício oneroso ICMS para fins de Fundo de Compensação?

A resposta mais provável, à luz do Art. 385, é negativa.

Há três razões principais:

  1. Não há contrapartida onerosa expressa. A lei exige contrapartidas que gerem ônus ou restrições à atividade, como investimentos, modernização de instalações, geração e manutenção de empregos ou limitações comerciais. Simples locação de galpão, por si só, não representa uma contrapartida com ônus adicional perante o Estado.
  2. A operação é tipicamente operacional. Em muitos casos, o benefício é concedido apenas para atrair estoque, registrar documentos fiscais no Estado e aumentar o volume de circulação formal. Sem exigência de investimento adicional, o incentivo se aproxima mais de um benefício automático do que de um benefício oneroso ICMS.
  3. Apenas ter benefício fiscal não basta. O núcleo da regra é que não é a existência do benefício que define o direito ao fundo, e sim o conjunto de contrapartidas onerosas associadas a ele.

5. A única exceção possível: fundos de infraestrutura e fomento

O §2º do Art. 385 traz uma exceção importante. Em alguns casos, benefícios ligados a contribuições para fundos podem ser reconhecidos como onerosos, desde que:

  • 100% dos recursos do fundo sejam destinados a infraestrutura pública; ou
  • 100% sejam aplicados em fomento econômico, inclusive por meio de empresas estatais;
  • o fundo tenha sido constituído até 31/05/2023.

Nessas situações específicas, mesmo que a contrapartida seja uma contribuição financeira a um fundo, o incentivo ainda pode ser classificado como benefício oneroso ICMS.

No exemplo analisado, porém, não há contribuição para fundo formal, não há comprovação de destinação integral a infraestrutura ou fomento e a contrapartida se limita ao uso de um galpão com operações de cross-docking. Assim, a exceção do §2º não se aplica.

6. Conclusão jurídica: benefícios sem contrapartida não entram no Fundo

Do ponto de vista jurídico, a consequência é direta: se a empresa tinha benefício fiscal antes de 31/05/2023, mas esse incentivo não tinha contrapartida onerosa, ele não se enquadra como benefício oneroso ICMS e, portanto, não entra no Fundo de Compensação.

Em resumo:

  • benefício concedido antes de 31/05/2023;
  • sem contrapartida real com ônus econômico ou operacional;
  • sem exigência de investimento, geração de empregos ou metas estruturadas;

leva à conclusão de que:

  • o incentivo não cumpre a definição de benefício oneroso do Art. 385;
  • não gera direito à compensação pelo Fundo entre 2029 e 2032.

Ter um incentivo ativo antes da data de corte é condição necessária, mas não suficiente. É preciso que ele venha acompanhado de contrapartidas claras, formalizadas e onerosas.

7. Conclusão para gestores e tomada de decisão

Para gestores de indústrias, distribuidores e operadores logísticos, a mensagem prática é objetiva. Empresas que apenas instalaram um centro de distribuição simples, alugaram um galpão para operações de passagem ou cross-docking e mantiveram estrutura enxuta, sem obrigações relevantes perante o Estado, tendem a não ter seus incentivos enquadrados como benefício oneroso ICMS.

Na prática, isso significa que esses benefícios serão reduzidos entre 2029 e 2032, sem compensação via Fundo de Compensação, e o impacto da perda do incentivo recairá integralmente sobre a empresa.

Esse diagnóstico precisa ser incorporado ao planejamento tributário e logístico de médio e longo prazo. Empresas com incentivos frágeis, sem contrapartida, devem simular a operação após 2032 e avaliar se o modelo continua sustentável sem o incentivo estadual e sem compensação federal.

Quer mapear se os incentivos da sua empresa atendem à definição de benefício oneroso ICMS e se podem gerar direito ao Fundo de Compensação entre 2029 e 2032? A Simtax pode ajudar na análise dos atos concessivos, na leitura dos dispositivos da Reforma Tributária e na construção de planos de transição alinhados à nova realidade tributária.

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