Compensação da perda do IPI com a entrada do Imposto Seletivo: como a União protege Estados e Municípios

Com a Reforma Tributária, o IPI passa a ser progressivamente substituído pelo Imposto Seletivo (IS). Esse movimento traz um problema imediato para a federação: hoje, uma parte relevante da arrecadação do IPI é repartida com Estados e Municípios, nos termos do art. 159, incisos I e II, da Constituição Federal, alimentando o FPE, o FPM e outros fundos.

Se o IPI diminui ou desaparece sem nenhuma contrapartida, a consequência seria uma queda direta de receita para Estados e Municípios. Para evitar esse cenário, a compensação da perda do IPI está prevista nos arts. 477, 478 e 479 da Lei Complementar nº 214/2025.

A seguir, explicamos como funciona esse mecanismo, qual é a lógica do valor de referência, como é feito o cálculo mensal e por que isso é essencial para a estabilidade do pacto federativo.

1. Qual é a preocupação central dos arts. 477 a 479

O objetivo principal desses dispositivos é assegurar que Estados e Municípios não recebam menos recursos do que receberiam com o IPI, mesmo com a entrada do Imposto Seletivo. Em outras palavras, a compensação da perda do IPI busca preservar o nível de repasses constitucionais, evitar queda abrupta na receita de entes subnacionais e manter previsibilidade para políticas de saúde, educação e infraestrutura.

Sempre que a soma de IPI e Imposto Seletivo destinada aos entes federados ficar abaixo de um valor de referência, a União deve complementar a diferença.

2. O que o art. 477 determina em linguagem simples

O art. 477 estabelece que, a partir de 2027, a União deve compensar qualquer redução nos montantes entregues a Estados e Municípios com base no art. 159, incisos I e II, da Constituição, sempre que essa redução decorrer da substituição do IPI pelo Imposto Seletivo.

Na prática, se o total redistribuído via IPI + Imposto Seletivo ficar abaixo do valor de referência calculado pela lei, a União é obrigada a pagar a diferença, por meio da compensação da perda do IPI, na forma e nos prazos definidos na legislação.

3. Como é calculada a compensação mês a mês

A partir de janeiro de 2027, todos os meses a União realiza um cálculo comparando o valor de referência definido pela lei com o valor efetivamente transferido, baseado na arrecadação de IPI + Imposto Seletivo repartida conforme o art. 159, incisos I e II, da Constituição.

A fórmula pode ser resumida assim:

Compensação do mês = Valor de referência – Valor efetivamente entregue (IPI + IS)

Se o resultado for positivo, há necessidade de compensação da perda do IPI. Se for negativo, significa que os repasses ficaram acima do valor de referência, e essa diferença negativa é levada em conta no cálculo dos meses seguintes, reduzindo futuras compensações.

Quando o resultado for positivo, a diferença apurada em um mês é paga no segundo mês subsequente, e a distribuição segue os mesmos critérios dos repasses constitucionais, como FPE e FPM.

4. De onde vem o “valor de referência” (art. 478)

O valor de referência é a peça central da compensação da perda do IPI. Ele funciona como um piso teórico, representando quanto Estados e Municípios deveriam receber, considerando a experiência recente ajustada.

Esse valor é construído em duas fases.

4.1 Fase 1 – Ano de 2027

Para 2027, o valor de referência mensal é calculado com base na média histórica de repasses do IPI entre 2022 e 2026, atualizados a preços de 2026 pela variação da arrecadação do próprio IPI e divididos por 60 meses. Esse valor médio é então corrigido pela inflação medida pelo IPCA e acrescido de 2% para cada mês de 2027.

Na prática, 2027 já começa com um valor de referência superior à média do passado, reforçando a compensação da perda do IPI.

4.2 Fase 2 – A partir de 2028

A partir de 2028, o valor de referência de cada mês passa a ser o valor de referência do 12º mês anterior ajustado pela variação em 12 meses da arrecadação da CBS, calculada pela alíquota de referência. O sistema passa a se alimentar da própria dinâmica da arrecadação do novo tributo.

4.3 Publicação pelo TCU

O Tribunal de Contas da União deve publicar, até o último dia útil do mês seguinte, o valor de referência calculado para aquele período, reforçando transparência, controle externo e possibilidade de monitoramento pelos entes federados.

5. Como e quando a compensação é paga (art. 479)

O art. 479 define a forma operacional da compensação da perda do IPI. A compensação será paga da mesma maneira que os recursos ordinários do art. 159, incisos I e II, da Constituição, aplicando-se os mesmos prazos, as mesmas garantias e as regras de não retenção de recursos pela União.

5.1 Vinculação dos recursos

Por regra geral, é vedada a vinculação dessa compensação a órgãos, fundos ou despesas específicas. Contudo, a legislação admite exceções, nas quais a vinculação é permitida, como administração tributária, garantias de operações de crédito por antecipação de receita, pagamento de débitos com a União, mínimos constitucionais em saúde (art. 198, § 2º, da Constituição), mínimos em educação (art. 212) e educação básica e remuneração de profissionais (art. 212-A).

Além disso, a União não pode reter esses recursos nem impor restrições adicionais à sua utilização por parte de Estados, DF e Municípios, em respeito ao art. 160 da Constituição.

6. Exemplo didático para entender a compensação

Suponha que, em média, entre 2022 e 2026, Estados e Municípios tenham recebido R$ 10 bilhões por mês, em valores atualizados de 2026, com base nos repasses vinculados ao IPI pelo art. 159, incisos I e II, da Constituição. Depois de aplicada a metodologia prevista na lei, o valor de referência de 2027 pode, por exemplo, ser fixado em R$ 11 bilhões por mês.

Em um determinado mês de 2027, a soma efetiva dos repasses de IPI + Imposto Seletivo, conforme a repartição constitucional, foi de R$ 9 bilhões. O cálculo da compensação da perda do IPI fica:

  • valor de referência: R$ 11 bilhões;
  • valor entregue (IPI + IS): R$ 9 bilhões;
  • diferença: R$ 2 bilhões.

Como resultado, a União terá de repassar R$ 2 bilhões adicionais, no segundo mês subsequente, distribuindo essa compensação entre Estados e Municípios segundo as fórmulas do FPE, FPM e demais destinos constitucionais.

Se, em outro mês, o valor entregue for superior ao valor de referência, a diferença não se converte em pagamento extra. Essa sobra passa a ser usada para abater eventuais compensações de meses futuros.

7. Por que isso importa para quem não é da área fiscal

Mesmo para quem não atua diretamente com tributos, a compensação da perda do IPI é relevante. Para gestores públicos, ela garante previsibilidade de receita, impede que a Reforma seja usada como justificativa para cortes em políticas essenciais e viabiliza planejamento de médio e longo prazo em saúde, educação, infraestrutura e programas sociais.

Para empresários e consultores, o mecanismo ajuda a interpretar discursos sobre perda de arrecadação na Reforma Tributária, esclarece o papel da União na proteção do caixa de Estados e Municípios e dá base para planejar projetos e parcerias com entes subnacionais.

Resumo estruturado

Podemos resumir a lógica da compensação da perda do IPI da seguinte forma:

  • o IPI será progressivamente substituído pelo Imposto Seletivo;
  • parte do IPI hoje é repartida com Estados e Municípios via art. 159, incisos I e II, da Constituição;
  • para evitar perda de recursos, a LC 214/2025 criou um sistema de compensação nos arts. 477 a 479;
  • todos os meses, compara-se um valor de referência com o que foi efetivamente entregue de IPI + IS;
  • se o valor entregue for menor, a União complementa a diferença;
  • o valor de referência em 2027 é baseado na média de 2022 a 2026, atualizada e acrescida de 2%;
  • a partir de 2028, o valor de referência é ajustado pela variação da arrecadação da CBS;
  • a compensação segue a mesma lógica de FPE, FPM e demais repartições;
  • os recursos não podem ser retidos e só podem ter vinculação obrigatória em casos específicos.

Conclusão: a compensação da perda do IPI como pilar do pacto federativo

Os arts. 477 a 479 da Lei Complementar nº 214/2025 mostram que a Reforma Tributária não se limita a redesenhar tributos. Ela também cuida dos fluxos de recursos entre União, Estados e Municípios.

A compensação da perda do IPI com a entrada do Imposto Seletivo é um pilar importante de proteção federativa. Ela assegura estabilidade de repasses, previsibilidade para políticas públicas, transparência na metodologia de cálculo e participação do TCU na divulgação de dados.

Para Estados, Municípios, setor privado e consultorias, acompanhar esse mecanismo será essencial para entender o impacto real da Reforma sobre as finanças públicas nos próximos anos.

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