Compensação benefício fiscal ICMS: a burocracia da Receita Federal pode desmotivar empresas a buscar o Fundo de Compensação?

Com a publicação da Lei Complementar nº 214/2025, ficou claro que o processo de compensação benefício fiscal ICMS entre 2029 e 2032 será um dos mecanismos mais complexos da Reforma Tributária. Os arts. 386 e 387 evidenciam que a habilitação será rigorosa, a auditoria será profunda, a documentação exigida será extensa, a Receita Federal terá controle total do processo e o Auditor-Fiscal terá poder decisório amplo.

Diante desse cenário, surge uma pergunta estratégica: a burocracia criada pode fazer com que empresas elegíveis desistam de buscar a compensação benefício fiscal ICMS?

Do ponto de vista técnico, a resposta é sim. É possível, e até provável, que muitas empresas não enfrentem o processo, mesmo tendo direito.

1. A compensação benefício fiscal ICMS não será automática

Uma expectativa inicial de parte do mercado era que o Fundo de Compensação funcionasse como um crédito quase automático, calculado de forma padronizada e com baixa intervenção da administração tributária. Os arts. 386 e 387 mostram o oposto.

O procedimento envolverá:

  • requerimento formal de habilitação;
  • análise prévia do direito ao benefício;
  • comprovação de que se trata de benefício oneroso;
  • demonstração de contrapartidas;
  • comprovação de concessão anterior a 31/05/2023;
  • apuração técnica da repercussão econômica;
  • demonstração contábil estruturada;
  • revisão pela Receita Federal;
  • aplicação de parâmetros de risco;
  • possibilidade de retenção de créditos;
  • eventuais auditorias presenciais;
  • possibilidade de glosa parcial ou total.

Na prática, o modelo se aproxima de um “PER/DCOMP turbinado”, com fiscalização muito mais intensa. Para muitas empresas, esse desenho pode ser percebido como caro, demorado, arriscado e burocrático. Isso tende a reduzir o interesse real em ingressar no processo de compensação benefício fiscal ICMS.

2. A profundidade da auditoria da Receita Federal pode afastar empresas

O Art. 387 concede poderes amplos ao Auditor-Fiscal da Receita Federal, incluindo examinar a contabilidade completa do contribuinte, revisar a escrituração fiscal eletrônica, acessar documentos que, em outros contextos, teriam proteção pelo Código Civil, constituir créditos tributários em caso de indébitos, revisar apurações de créditos já reconhecidos e desencadear processos administrativos complexos.

Diante desse cenário, é natural que muitos empresários e diretores tributários se perguntem se vale a pena abrir toda a contabilidade para obter a compensação benefício fiscal ICMS.

Para empresas que possuem estrutura contábil mais frágil, têm histórico de inconsistências fiscais, operam com cadeias interestaduais complexas, não possuem dossiê completo dos benefícios ou desejam evitar exposição aprofundada à fiscalização, a percepção de risco pode superar a perspectiva de ganho econômico.

3. A documentação necessária é grande e muitas vezes incompleta

Para acessar a compensação benefício fiscal ICMS, a empresa precisará comprovar, de forma organizada, o ato concessivo do benefício, o enquadramento em programa estadual específico, as contrapartidas pactuadas, o cumprimento tempestivo das condições, o registro nos termos da LC 160/2017, quando exigido, a repercussão econômica efetiva do benefício e a manutenção de documentos por períodos que podem chegar a 10 ou 15 anos.

Em muitos casos, surgem desafios relevantes:

  • Estados que não documentam adequadamente os benefícios;
  • incentivos concedidos por resoluções de difícil acesso;
  • empresas que não guardaram relatórios técnicos antigos;
  • contrapartidas executadas sem documentação formal detalhada.

O resultado é que, para uma quantidade significativa de contribuintes, pode ser inviável montar o dossiê completo exigido pela Receita Federal. Sem esse dossiê, a chance de sucesso na compensação benefício fiscal ICMS diminui de forma relevante.

4. O custo operacional da habilitação pode superar o benefício

Em muitos casos, a empresa terá de investir em estrutura específica para enfrentar o processo de compensação benefício fiscal ICMS, como contratação de escritórios especializados em incentivos fiscais, apoio de advogados tributaristas, participação de consultorias em compliance e governança documental, suporte de peritos contábeis e ferramentas para reconstrução de histórico e reconciliação de dados.

Esses custos podem chegar a dezenas ou centenas de milhares de reais, dependendo do porte da empresa e da complexidade do benefício. Diante disso, contribuintes com benefícios de menor valor podem concluir que o custo total de preparação, habilitação e acompanhamento supera o benefício a receber.

Nesse cenário, a decisão racional pode ser não ingressar no processo de compensação benefício fiscal ICMS.

5. O risco de glosa e de exposição fiscal é significativo

Outro ponto relevante para a tomada de decisão é o risco associado ao processo. Durante a análise, se a Receita Federal encontrar inconsistências, a autoridade poderá glosar parcial ou totalmente o valor pretendido, constituir débito tributário, instaurar autos de infração, exigir devolução de quantias já pagas por meio de retenção de créditos futuros e ampliar o foco da fiscalização para outros tributos e períodos.

Para empresas com estrutura fiscal mais sensível, ou que sabem ter fragilidades históricas, esse conjunto de riscos é um fator forte de desestímulo à busca da compensação benefício fiscal ICMS.

6. Resultado previsível: muitas empresas deixarão de buscar a compensação

Quando se combinam exigência documental muito elevada, risco de auditoria profunda, custo elevado de preparação, possibilidade de glosa e autuação, necessidade de comprovar contrapartida onerosa, exposição total perante a Receita Federal, restrições rígidas do conceito de benefício oneroso e incerteza sobre o valor final efetivamente reconhecido, torna-se previsível que um número relevante de empresas elegíveis não ingresse no processo de compensação benefício fiscal ICMS.

Esse comportamento já foi observado em outros contextos, como pedidos de ressarcimento de ICMS-ST, utilização de créditos acumulados em regimes especiais, uso intensivo do PER/DCOMP em hipóteses complexas, adesão a programas como Reintegra e recuperação de IRPJ e CSLL após a exclusão do ICMS da base de PIS e COFINS.

A tendência é que parte das empresas, ao avaliar o custo, o risco e a burocracia, opte por não reivindicar a compensação, ainda que tenha direito em tese.

7. Qual será o perfil das empresas que devem buscar a compensação?

Diante do desenho legal e da atuação esperada da Receita Federal, é razoável prever que os principais candidatos à compensação benefício fiscal ICMS sejam grandes indústrias com incentivos relevantes, grupos empresariais com benefícios de grande impacto, operações robustas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, companhias com compliance fiscal e contábil estruturado, empresas com documentação completa e organizada, multinacionais com governança rígida e contribuintes acompanhados por consultorias especializadas desde a concessão dos incentivos.

Em contrapartida, empresas com benefícios de menor valor, com documentação incompleta ou com histórico pouco estruturado tendem a avaliar como baixo o retorno líquido do processo, enxergar risco excessivo em relação ao benefício e optar por não ingressar na compensação benefício fiscal ICMS.

Na prática, a burocracia pode produzir um efeito de seleção, no qual apenas contribuintes maiores e mais organizados acessam o Fundo de Compensação.

8. Conclusão: a burocracia da Receita pode desestimular a compensação

A análise dos arts. 386 e 387 da Lei Complementar nº 214/2025 mostra que o processo de compensação benefício fiscal ICMS será tecnicamente sofisticado, fortemente documentado, rigidamente fiscalizado, centralizado na Receita Federal e dependente da decisão do Auditor-Fiscal.

É, portanto, plenamente possível e altamente provável que muitas empresas elegíveis desistam de buscar a compensação, por causa da complexidade, do risco fiscal e da burocracia envolvida.

A consequência prática é que apenas empresas grandes, estruturadas e com documentação completa devem enfrentar o processo, enquanto pequenas e médias empresas podem ser desestimuladas e, na prática, excluídas do acesso ao Fundo de Compensação.

Para quem pretende avaliar se vale a pena buscar a compensação benefício fiscal ICMS, será essencial mensurar o valor potencial do benefício, avaliar a qualidade e a completude da documentação, analisar o histórico fiscal da empresa, medir o apetite ao risco de exposição à Receita Federal e comparar o custo de estruturação do dossiê com o retorno financeiro esperado.

A Simtax pode apoiar empresas nesse diagnóstico, ajudando a entender se o ingresso no processo de compensação faz sentido econômico e jurídico, ou se a melhor estratégia é concentrar esforços em outras frentes de planejamento tributário dentro da Reforma.

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